Saudades de você; o vômito

Isso me lembra um gatinho. Ou um viralata, que fica girando em torno de si mesmo e deita no mesmo tapete velho de sempre. Gira como se procurasse algo de novo no tapete surrado no chão, o mesmo tapete que tanta gente pisa, o mesmo tapete que vê as pessoas e o tempo passar tão indiferente como se tudo do futuro ou do presente fosse um advento de um passado certo e igual. E é nesta falácia surrada que o viralata ou o gatinho gira, gira, gira… E deita, como sempre.

Tenho a arte em minha essência, como vocês o sabem, o arcano poder dos sons me persegue e eu, ainda pequenino nesta arte, me inundo nesse mundo hermético. Meu lamento acompanhado de uma revolta enojada aparece quando me lembro da minha habilidade com as artes plásticas. Argila em especial. Como o viralata gira inutilmente até deitar no mesmo tapete indecente, eu tentava inutilmente desenhar belos e simétricos rostos sorridentes na argila. E o “belo”…  A “simetria”… Não me cabiam, me incomodavam… e eu recomeçava considerando que a imperfeição é que me incomodava… Ilusão… Não era mais apenas um meio de auto aprovação. Já me sentia aprovado, inclusive porque isso já não me fazia diferença alguma. No final, minha escultura sempre se parecia repetida. E eu via naquele rosto decepção e indignação…

Quando comecei, porém, a considerar que toda arte leva consigo parte do artista, me questionei donde vinha aquilo. Então me lembrei onde eu tinha ganhado aquela argila… Melhor, lembrei-me do contexto que fomentou aquela argila maldita, e pensei na solitária realidade de quem agrada a todos.

Você já conheceu alguém assim? Bonzinho, prestativo, educado, munido de todas as boas e honrosas intenções, ajuda a todos, dá sempre razão ao outro, e  nunca sente nada a não ser medo e culpa?

 Minha revolta não é contra a bondade, muitíssimo pelo contrário é um apelo à bondade autêntica, verdadeira, escolhida, à humildade – e não à modéstia- à liberdade… Aquela bondade que germina de uma vivência concreta da realidade livre. Minha repulsa é pelo aprisionamento que as pessoas se submetem para serem consideradas boas… “as aparências”… é pelo incentivo a essa mentalidade sufocadora, é pela atitude de se anular em virtude da necessidade de aprovação e não por vontade própria.

A imperfeição atesta o real. No real encontramos o belo. No belo nos sentimos amados. A imperfeição nos torna humanos. A assimetria nos libera acesso à dimensões diferentes, nos dá liberdade de escolha, nos dá opções, nos faz exercer o que é exclusivamente humano. Nos permite amar…

Que sentido há na máscara vazia e insignificante tida como penhor da pseudo-aproximação das pessoas? Uma elitização ridícula dos relacionamentos movida a cenas. Teatros da pior qualidade, com artistas imóveis e de plástico!

Pessoas de plástico, politicamente corretas, excitam-me à náusea. São semideuses equivocadamente habitando a terra… Os céus erraram, a natureza errou! O que eles fazem aqui?! Isto é um absurdo, é a prova perfeita de que a natureza não passa de um erro qualquer do cartesiano espaço tempo que habitou o vácuo da pré-existencia.

Estou farto da falácia preenchendo os monólogos simultâneos das relações interpessoais. Embebedam-se numa necessidade absurda de compartilharem um mesmo qualquer coisa. E danam-se individualizados, morrem sozinhos, choram em silencio escondendo suas lágrimas sob o medo que elas lubrifiquem as engrenagens humanas.

Não há quem enxergue a mentira da verdade admitida? Vestem-se de uma ignorância tal que suas máscaras brilham sobre um sol quadrado e perfeitamente métrico.

 O nojo anuncia o vômito dos parâmetros falsos e torpes dessas relações hipócritas, ele vem com brutalidade irracional arranca meu equilíbrio e cobre fétidamente toda “beleza” simétrica e frágil desse conceito imaturo de certo e errado. E os semideuses, com um olhar vulturino, abominam toda essa náusea… Bando de falsos! Divertem-se na curiosidade avulsa à rotina tradicional, para suplicar um pouco de emoção… E como um cachorro volta pro seu canto sujo, voltam pras suas existências alienadas esboçando condenações moralmente perfeitas…

Shhhhh… não se ouve mais nada depois disso…

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* Esse texto dialoga, em suas entrelinhas, com o  texto Saudades de você


Sobre Juka

Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?
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Uma resposta a Saudades de você; o vômito

  1. Nah diz:

    “Minha repulsa é pelo aprisionamento que as pessoas se submetem para serem consideradas boas…”
    Essa parte me fez relembrar algo que já ficou no passado.Infelizmente não são todas as pessoas que conseguem olhar pra dentro de si mesma e perceber que tudo o que vivenciou até aquele momento não fazia parte dela, não era ela, era apenas algum molde de pessoa politicamente correta que ela acreditou, o expemplo de pessoa “BOA” que pensava ser o certo.A partir do momento que você consegue olhar para dentro de si mesma e realmente perceber quem você é, que você não precisa ser igual os demais, ou não precisa fazer tudo o que os outros fazem pra ser considerada como exemplo ideal de pessoa, e descobre que tem que ser apenas você!Nossaa isso é muito bom, de certa forma se sente livre, e a liberdade é algo que poucos sabem usufruir.

    Outra parte que tambem me chamou atenção:
    “Que sentido há na máscara vazia e insignificante tida como penhor da pseudo-aproximação das pessoas? ”
    Realmente não há muito sentido, penso que pessoas assim se relacionam/aproximam não porque gostam realmente, mas por necessidade, medo de ficar só, medo do que irão achar a seu respeito caso diga a verdade, por isso usam máscaras.Se escondem da realidade e de certa forma vivem uma vida ou pelo menos diz viver algo que não é real,que existe apenas na sua imaginação.De certa forma ambas frases que destaquei se encaixam.Pessoas que se submetem para serem consideradas “boas” usam máscaras para esconder quem realmente são, querem ser aceitas e por isso se submetem à cada coisa que realmente causa nojo.

    Porra Juka, que texto, me fez brisar muito
    Muito bom mesmo.Parabéns!

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